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quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Lev Semenovich Vygotsky









Texto que estudei no Mestrado com o profº DrºJosé Carlos Libâneo

DIDÁTICA E TRABALHO DOCENTE: COMO MELHORAR AS AULAS VISANDO A APRENDIZAGEM DOS ALUNOS E A FORMAÇÃO DA PERSONALIDADE

José Carlos Libâneo


Introdução
Alunos costumam comentar entre si: “gosto desse professor porque ele tem didática”. Outros dizem: “com essa professora a gente tem mais facilidade de aprender”. Provavelmente, o que os alunos estão querendo dizer é que esses professores têm um modo acertado de dar aula, que ensinam bem, que com eles, de fato, aprendem. Então, o que é ter didática? A didática pode ajudar os alunos a melhorar seu aproveitamento escolar? O que um professor precisa conhecer de didática para que possa levar bem o seu trabalho em sala de aula? Considerando as mudanças que estão ocorrendo nas formas de aprender e ensinar, principalmente pela forte influência dos meios de informação e comunicação, o que mudar na prática dos professores?
É certo que a maioria do professorado tem como principal objetivo do seu trabalho conseguir que seus alunos aprendam da melhor forma possível. Por mais limitações que um professor possa ter (falta de tempo para preparar aulas, falta de material de consulta, insuficiente domínio da matéria, pouca variação nos métodos de ensino, desânimo por causa da desvalorização profissional, etc.), quando entra em classe, ele tem consciência de sua responsabilidade em proporcionar aos alunos um bom ensino. Apesar disso, saberá ele fazer um bom ensino, de modo que os alunos aprendam melhor? É possível melhorar seu desempenho como professor?
Este texto pretende trazer algumas considerações em torno dessas perguntas apresentando, inicialmente, alguns estilos de professor que têm sido reconhecidos na investigação pedagógica e, depois, sugerindo que o estilo do professor mediador oferece mais vantagens para se assegurar melhor aprendizagem para os alunos.
1. Os estilos de professor
Entre os diversos estilos de professores, o mais predominante na prática escolar é o estilo professor-transmissor de conteúdo. São professores que se contentam com a transmissão verbal dos conteúdos, geralmente com base no livro didático, por meio de aula expositiva. As aulas são sempre iguais, o método de ensino é quase o mesmo para todas as matérias, independentemente da idade e das características individuais e sociais dos alunos. Pode até ser que essas práticas de passar a matéria, dar exercícios e depois cobrar o conteúdo na prova, tenham algum resultado positivo, mesmo porque alguns alunos aprendem “apesar do professor”. Mas, o mais comum é o aluno memorizar o que o professor expõe, decorar a matéria e mecanizar definições, fórmulas, etc. Há professores deste estilo que acreditam, sinceramente, que esta é a melhor forma de ensinar o conhecimento científico, pois sendo a matéria transmitida numa seqüência lógica, o aluno recebe um conhecimento organizado e, sendo o conhecimento científico algo comprovado e objetivo, não há necessidade de outro método senão o da exposição.
No entanto, a aprendizagem que decorre desse tipo ensino (vamos chamá-la de mecânica, repetitiva) serve para responder questões de uma prova, sair-se bem no vestibular ou num concurso, mas ela não é duradoura, ela não ajuda o aluno a formar esquemas mentais próprios. O aluno que aprende mecanicamente, na maior parte dos casos, não desenvolve raciocínio próprio, não forma generalizações conceituais, não é capaz de fazer relações entre um conceito e outro. Trata-se de uma aprendizagem insuficiente porque o aluno acaba por não dar conta de explicar uma idéia com suas próprias palavras, não sabe aplicar o conhecimento em situações novas ou diferentes, nem na sala de aula nem fora dela. É possível que entre os professores que se utilizam desses procedimentos de ensino haja alguns que levem os alunos a aprender os conceitos de forma mais sólida, de modo a aprender a lidar de forma autônoma com os conceitos. Mas não é o caso da maioria. O que se vê nas escolas é um ensino meramente expositivo, empírico, repetitivo, memorístico. Ou seja, os alunos desses professores não aprendem de modo duradouro, ou seja, não sabem lidar de forma independente com os conhecimentos, não “interiorizam” os conceitos que são encontrados no modo próprio de pensar, de raciocinar e de atuar, da matéria que está sendo ensinada e, assim, os conceitos não se transformam em instrumentos mentais para atuar com a realidade.
O estilo professor-facilitador aplica-se a professores que se julgam mais atualizados nas metodologias de ensino tentam variar mais os métodos e procedimentos. Alguns deles preocupam-se, realmente, com certas características individuais e sociais dos alunos, procuram saber os conhecimentos prévios ou as experiências dos alunos, tentam estabelecer diálogo ou investir mais no bom relacionamento com os alunos. Outros tentam inovar organizando trabalhos em grupo ou estudo dirigido, utilizando recursos audiovisuais, promovendo algum tipo de pesquisa didática. Há, também, em algumas áreas de conhecimento, professores que entendem que a melhor forma de aprender é colocar os alunos no laboratório (ou numa atividade prática, num projeto) na crença de que, fazendo experiências e desenvolvendo atividades práticas, assimilam melhor os conteúdos; segundo eles, o aluno aprende pesquisando. Nesse estilo, uma derivação do professor-facilitador, os professores, geralmente, acreditam que o aluno deve descobrir por si mesmo os princípios da ciência ensinada, conforme a crença ilusória de que “o professor não ensina, ajuda o aluno a aprender”, resultando numa prática tendente ao espontaneísmo.
Essas formas de trabalho didático, sem dúvida, trazem mais vantagens do que aquelas do ensino tradicional. Entretanto, quase sempre os professores acabam presos às práticas tradicionais. Com efeito, ao avaliar a aprendizagem dos alunos pedem respostas memorizadas e a repetição de definições ou fórmulas. Mesmo utilizando técnicas ativas e respeitando mais o aluno, as mudanças metodológicas ficam apenas na forma, mantendo empobrecidos os resultados da aprendizagem, ou aluno não forma conceitos, não aprende a pensar com autonomia, não interioriza ações mentais. Ou seja, sua atividade mental continua pouco reflexiva.
Um terceiro estilo é o do professor-técnico, cada vez mais presente nas escolas. Esse estilo tende a assumir uma forma mais sofisticada do estilo tradicional, pois prima por conteúdos bem estruturados (frequentemente apresentados em apostilas ou em pacotes didáticos), objetivos pré-estabelecidos (denominados “competências”) e avaliação por meio de testes diretamente relacionados a esses objetivos. Dentro de uma concepção empirista de conhecimento, os professores desse estilo acreditam que é esse tipo de ensino que melhor garante a assimilação dos conhecimentos científicos e, de quebra, a aprovação no vestibular, razão pela qual os pais e alunos os apóiam.
Há outros estilos didáticos presentes nas escolas, principalmente com a difusão nos cursos de formação de professores de concepções de ensino baseadas no construtivismo piagetiano ou no socioconstrutivismo, este mais piagetiano que vygotskiano. Elas partem de algumas bases comuns como: a idéia de que o professor não ensina, é o aluno que constrói seu próprio conhecimento; a noção de currículo flexível (frequentemente na forma de projetos interdisciplinares); a flexibilidade da avaliação da aprendizagem; o professor aprende na sua experiência prática (reflexão na ação, pela ação); ênfase mais no processo do que no produto. A prática tem mostrado que esses estilos de professor não conseguiram produzir mudanças significativas na aprendizagem dos alunos, tendendo a acentuar procedimentos espontaneístas como dar pouca importância aos conteúdos e ao desenvolvimento de capacidades cognitivas, subordinar a escolha de conteúdos aos interesses dos alunos, respeitar os ritmos de aprendizagem dos alunos evitando intervenção pedagógica, etc.
Em resumo, estes estilos, de modo geral, estão associados a uma visão positivista de conhecimento e de ensino. Ajudam pouco os alunos a elaborar de forma consciente e independente um conhecimento que possa ser utilizado nas várias situações da vida prática. As atividades que organizam não levam os alunos a ampliar seu desenvolvimento cognitivo, a adquirir métodos de pensamento, habilidades e capacidades mentais para poderem lidar de forma independente e criativa com os conhecimentos e a realidade.
O estilo do professor mediador talvez possa contribuir melhor para uma boa didática. Numa formulação sintética, boa didática significa um tipo de trabalho na sala de aula em que o professor atua como mediador da relação cognitiva do aluno com a matéria. Há uma condução eficaz da aula quando o professor assegura, pelo seu trabalho, o encontro bem sucedido entre o aluno e a matéria de estudo. Em outras palavras, o ensino satisfatório é aquele em que o professor põe em prática e dirige as condições e os modos que asseguram um processo de conhecimento pelo aluno. Vejamos isso mais detalhadamente.
2. Uma pedagogia que valoriza os conteúdos e as ações mentais correspondentes: o professor mediador
Conforme a teoria histórico-cultural, formulada inicialmente pelo psicólogo e pedagogo russo Lev Vigotsky, o objetivo do ensino é o desenvolvimento das capacidades mentais e da subjetividade dos alunos através da assimilação consciente e ativa dos conteúdos, em cujo processo se leva em conta os motivos dos alunos . O ensino é meio pelo qual os alunos se apropriam das capacidades humanas formadas historicamente e objetivadas na cultura material e espiritual. Essa apropriação se dá pela aprendizagem de conteúdos, habilidades, atitudes, formadas pela humanidade ao longo da história. Conforme as próprias palavras de Vigotsky:
A internalização de formas culturais de comportamento envolve a reconstrução da atividade psicológica tendo como base as operações com signos. (...) A internalização das atividades socialmente enraizadas e historicamente desenvolvidas constitui o aspecto característico da psicologia humana (1984, p. 65).
Esse processo de interiorização ou apropriação tem as seguintes características:
a) o desenvolvimento mental dos alunos depende da transmissão-interiorização de conhecimentos, habilidades, valores, que vão sendo constituídos na história da humanidade;
b) o papel do ensino é propiciar aos alunos os meios de domínio dos conceitos, isto é, dos modos próprios de pensar e de atuar da matéria ensinada;
c) a ação de ensinar, mais do que “passar conteúdo”, consiste em intervir no processo mental de formação de conceitos dos alunos;
d) a aprendizagem se consolida melhor se forem criadas situações de interlocução, cooperação, diálogo, entre professor e alunos e entre os alunos;
e) as relações intersubjetivas implicam, necessariamente, a compreensão dos motivos dos alunos, isto é, seus objetivos e suas razões para se envolverem nas atividades de aprendizagem.
Os estudos sobre os processos do aprender destacam o papel ativo dos sujeitos na aprendizagem, e especialmente, a necessidade dos sujeitos desenvolverem habilidades de pensamento, competências cognitivas. Isto traz implicações importantes para o ensino, pois se o que está mudando é a forma como se aprende, os professores precisam mudar a forma de como se ensina. O como se ensina, em princípio, depende do como se aprende.
Estudos recentes sobre os processos do pensar e do aprender destacam o papel ativo dos sujeitos na aprendizagem, e especialmente, a necessidade dos sujeitos desenvolverem habilidades de pensamento, competências cognitivas. Para Castells, a tarefa das escolas e dos processos educativos é o de desenvolver em quem está aprendendo a capacidade de aprender, em razão de exigências postas pelo volume crescente de dados acessíveis na sociedade e nas redes informacionais, da necessidade de lidar com um mundo diferente e, também, de educar a juventude em valores e ajudá-la a construir personalidades flexíveis e eticamente ancoradas (in Hargreaves, 2001, p. 16). Também Morin expressa com muita convicção a exigência de se desenvolver uma inteligência geral que saiba discernir o contexto, o global, o multidimensional, a interação complexa dos elementos. Ele escreve:
(...) o desenvolvimento de aptidões gerais da mente permite melhor desenvolvimento das competências particulares ou especializadas. Quanto mais poderosa é a inteligência geral, maior é sua faculdade de tratar problemas especiais. A compreensão dos dados particulares também necessita da ativação da inteligência geral, que opera e organiza a mobilização dos conhecimentos de conjunto em cada caso particular. (...) Dessa maneira, há correlação entre a mobilização dos conhecimentos de conjunto e a ativação da inteligência geral (Morin, 2000, p. 39).
Davídov, após perguntar como se pode desenvolver nos alunos as capacidades intelectuais necessárias para assimilar e utilizar com êxito os conhecimentos, escreve:
Os pedagogos começam a compreender que a tarefa da escola contemporânea não consiste em dar às crianças uma soma de fatos conhecidos, mas em ensiná-las a orientar-se independentemente na informação científica e em qualquer outra. Isto significa que a escola deve ensinar os alunos a pensar, quer dizer, desenvolver ativamente neles os fundamentos do pensamento contemporâneo para o qual é necessário organizar um ensino que impulsione o desenvolvimento. Chamemos esse ensino de “desenvolvimental”. (Davídov, 1988, p.3)
3. A didática e o trabalho dos professores
A didática é uma disciplina que estuda o processo de ensino no qual os objetivos, os conteúdos, os métodos e as formas de organização da aula se combinam entre si, de modo a criar as condições e os modos de garantir aos alunos uma aprendizagem significativa. Ela ajuda o professor na direção e orientação das tarefas do ensino e da aprendizagem, fornecendo-lhe mais segurança profissional e tornando-o um mediador.
Em que consiste o processo de ensino e aprendizagem? O principio básico que define esse processo é o seguinte: o núcleo da atividade docente é a relação ativa do aluno com a matéria de estudo, sob a direção do professor. O processo de ensino consiste de uma combinação adequada entre o papel de direção do professor e a atividade independente, autônoma e criativa do aluno.
O papel do professor, portanto é o de planejar, selecionar e organizar os conteúdos, programar tarefas, criar condições de estudo dentro da classe, incentivar os alunos para o estudo, ou seja, o professor dirige as atividades de aprendizagem dos alunos a fim de que estes se tornem sujeitos ativos da própria aprendizagem. Não há ensino verdadeiro se os alunos não desenvolvem suas capacidades e habilidades mentais, se não assimilam pessoal e ativamente os conhecimentos ou se não dão conta de aplicá-los, seja nos exercícios e verificações feitos em classe, seja na prática da vida. Esse posicionamento, que define o professor mediador, supera práticas tradicionais ou espontaneístas, conforme esclarece Davídov:
É sabido que o ensino e a educação alcançam as finalidades mencionadas se a atividade própria da criança for competentemente orientada. Quando esta atividade é interpretada abstratamente e, principalmente, quando existe uma ruptura do processo de desenvolvimento em relação à educação e ao ensino, inevitavelmente surgirá algum tipo de pedocentrismo ou de contraposição entre as necessidades da "natureza" da criança e os requisitos da educação (como tem ocorrido muitas vezes na história do pensamento e da prática pedagógicos). Entretanto, a situação muda substancialmente se a atividade "própria" da criança for entendida, de um lado, como algo que surge e se forma no processo de educação e ensino e, de outro, se for vista no contexto da história da própria infância, determinada pelas tarefas sócio-econômicas da sociedade e pelas finalidades e possibilidades de educação e ensino que a elas correspondem. Dadas estas premissas teóricas, o fato de considerar a natureza e os aspectos específicos da atividade infantil não leva à contraposição entre o desenvolvimento e a educação, mas sim à introdução de uma condição fundamental para a concretização das finalidades do processo pedagógico. Neste caso, segundo as palavras de Rubinshtein, o processo pedagógico, enquanto atividade do professor-educador, forma a personalidade em desenvolvimento da criança à medida que o educador dirige a atividade da criança ao invés de substituí-la. Qualquer tentativa do educador-professor "de introduzir na criança o conhecimento e as normas morais, passando por alto a atividade própria da criança para assimilá-los, prejudica (...) as próprias bases do seu sadio desenvolvimento moral e mental, do alimento (educação) de suas características e qualidades pessoais" (Davidov, 1998).
Podemos dizer, então, que o processo didático, é o conjunto de atividades do professor e dos alunos sob a direção do professor, visando à assimilação ativa pelos alunos dos conhecimentos, habilidades e hábitos, atitudes, desenvolvendo suas capacidades e habilidades intelectuais. Nessa concepção de didática, os conteúdos escolares e o desenvolvimento mental se relacionam reciprocamente, pois o progresso intelectual dos alunos e o desenvolvimento de suas capacidades mentais se verificam no decorrer da assimilação ativa dos conteúdos. Portanto, o ensino e a aprendizagem (estudo) se movem em torno dos conteúdos escolares visando o desenvolvimento do pensamento, por meio da formação de conceitos e generalização.
Mas, qual é a dinâmica do processo de ensino? Como se garante o vínculo entre o ensino (professor) e a aprendizagem efetiva decorrente do encontro cognitivo e afetivo entre o aluno e a matéria?
A pesquisa mais atual sobre a didática utiliza a palavra “mediação” para expressar o papel do professor no ensino, isto é, mediar a relação entre o aluno e o objeto de conhecimento. Na verdade, trata-se de uma dupla mediação: primeiro, tem-se a mediação cognitiva, que liga o aluno ao objeto de conhecimento; segundo, tem-se a mediação didática, que assegura as condições e os meios pelos quais o aluno se relaciona com o conhecimento. Sendo assim, a especificidade de toda didática está em propiciar as condições ótimas de transformação das relações que o aprendiz mantém com o saber. Escreve D´Ávila:
A relação com o saber é, portanto, duplamente mediatizada: uma mediação de ordem cognitiva (onde o desejo desejado é reconhecido pelo outro) e outra de natureza didática que torna o saber desejável ao sujeito. É aqui que as condições pedagógicas e didáticas ganham contornos, no sentido de garantir as possibilidades de acesso ao saber por parte do aprendiz educando (2000, p. 31).
A força impulsionadora do processo de ensino é um adequado ajuste entre os objetivos/conteúdos/métodos organizados pelo professor e o nível de conhecimentos, experiências e motivos do aluno. O movimento permanente que ocorre a cada aula consiste em que, por um lado, o professor propõe problemas, desafios, perguntas, relacionados com conteúdos significativos, instigantes e acessíveis; por outro lado, os alunos, ao assimilar consciente e ativamente a matéria, mobilizam seus motivos, sua atividade mental e desenvolvem suas capacidades e habilidades. Portanto, um bom planejamento de ensino depende da análise e organização dos conteúdos junto com a análise e consideração dos motivos dos alunos.
Essa forma de compreender o ensino é muito diferente do que simplesmente passar a matéria ao aluno. É diferente, também, de dar atividades aos alunos para que fiquem “ocupados” ou aprendam fazendo. O processo de ensino é um constante vai-e-vem entre conteúdos e problemas que são colocados e as características de desenvolvimento e aprendizagem dos alunos. É isto que caracteriza a dinâmica da situação didática, numa perspectiva histórico-cultural.
Insistimos bastante na exigência didática de partir do nível de conhecimentos já alcançado, da capacidade atual de assimilação e do desenvolvimento mental do aluno, dos motivos do aluno. Ou seja, não existe o aluno em geral, mas um aluno vivendo numa sociedade determinada, que faz parte de um grupo social e cultural determinado, sendo que essas circunstâncias interferem na sua capacidade de aprender, nos seus valores e atitudes, na sua linguagem e suas motivações. Ou seja, a subjetividade (os motivos) e a experiência sociocultural concreta dos alunos são o ponto de partida para a orientação da aprendizagem. Um professor que aspira ter uma boa didática necessita aprender a cada dia como lidar com a subjetividade dos alunos, sua linguagem, suas percepções, sua prática de vida. Sem essa disposição, será incapaz de colocar problemas, desafios, perguntas, relacionados com os conteúdos, condição para se conseguir uma aprendizagem significativa.
Essas considerações mostram o traço mais marcante de uma didática crítico-social na perspectiva histórico-cultural: o trabalho docente como mediação entre a cultura elaborada, convertida em saber escolar, e o aluno que, para além de um sujeito psicológico, é um sujeito portador da prática social viva. O modus faciendi da mediação cultural, pelo trabalho dos professores, é o provimento aos alunos dos meios de aquisição de conceitos científicos e de desenvolvimento das capacidades cognitivas e operativas, dois elementos da aprendizagem escolar interligados e indissociáveis.
4. O ensino e o desenvolvimento do pensamento – O ensino desenvolvimental
A teoria do ensino desenvolvimental de Vasíli Davídov, baseada na teoria histórico-cultural de Vygotsky sustenta tese de que o bom ensino é o que promove o desenvolvimento mental, isto é, as capacidades e habilidades de pensamento. Segundo Vygotsky, a aprendizagem e o ensino são formas universais de desenvolvimento mental. Para Davídov, a atividade de aprendizagem está assentada no conhecimento teórico-científico, ou seja, no desenvolvimento do pensamento teórico e nas ações mentais que lhe correspondem (Cf. Libâneo, 2004).
O ensino propicia a apropriação da cultura e desenvolvimento do pensamento. São dois processos articulados entre si, formando uma unidade: Podemos expressar essa idéia de duas maneiras:
• à medida que o aluno forma conceitos científicos, incorpora processos de pensamento e vice-versa.
• enquanto forma o pensamento teórico-científico, o aluno desenvolve ações mentais mediante a solução de problemas que suscitam a atividade mental do aluno. Com isso, o aluno assimila o conhecimento teórico e as capacidades e habilidades relacionadas a esse conhecimento.
Sendo assim, o papel da escola é ajudar os alunos a desenvolver suas capacidades mentais, ao mesmo tempo em que se apropriam dos conteúdos. Nesse sentido, a metodologia de ensino, mais do que o conjunto dos procedimentos e técnicas de ensino, consiste em instrumentos de mediação para ajudar o aluno a pensar com os instrumentos conceituais e os processos de investigação da ciência que se ensina. Por exemplo, a boa pedagogia da física é aquela que consegue traduzir didaticamente o modo próprio de pensar e investigar da física.
Para Davídov, a atividade de aprendizagem consiste em formar o pensamento teórico-científico em relação a um objeto de estudo, por meio da formação e da operação com conceitos. Conceitos, aqui, significa um conjunto de procedimentos para deduzir relações particulares de uma relação abstrata. Trata-se, assim, de fazer a junção entre o conteúdo e o desenvolvimento das capacidades de pensar. A idéia central contida nessa teoria é simples: ensinar é colocar o aluno numa atividade de aprendizagem. A atividade de aprendizagem é a própria aprendizagem, ou seja, com base nos conteúdos, aprender habilidades, desenvolver capacidades e competências para que os alunos aprendam por si mesmos. É essa idéia que Davídov defende: a atividade de aprender consiste em encontrar soluções gerais para problemas específicos, é apreender os conceitos mais gerais que dão suporte a um conteúdo, para aplicá-los a situações concretas. Esse modo de ver o ensino significa dizer que o ensino mais compatível com o mundo da ciência, da tecnologia, dos meios de comunicação, é aquele que contribui para que o aluno aprenda a raciocinar com a própria cabeça, que forme conceitos e categorias de pensamento decorrentes da ciência que está aprendendo, para lidar praticamente com a realidade. Os conceitos, nessa maneira de ver, são ferramentas mentais para lidar praticamente com problemas, situações, dilemas práticos, etc.
Explicitando essa idéia numa formulação mais completa, podemos dizer: o modo de lidar pedagogicamente com algo, depende do modo de lidar epistemologicamente com algo, considerando as condições do aluno e o contexto sociocultural em que ele vive (vale dizer, as condições da realidade econômica, social, etc.). Trata-se, portanto, de unir no ensino a lógica do processo de investigação com os produtos da investigação. Ou seja, o acesso aos conteúdos, a aquisição de conceitos científicos, precisa percorrer o processo de investigação, os modos de pensar e investigar da ciência ensinada. Não basta aprender o que aconteceu na história, é preciso pensar historicamente. Pensar matematicamente sobre matemática, biologicamente sobre biologia, lingüisticamente sobre português.
Essa forma de entender a atividade de ensino das disciplinas específicas requer do professor não apenas o domínio do conteúdo mas, também, dos procedimentos investigativos da matéria que está ensinando e das formas de pensamento, habilidades de pensamento que propiciem uma reflexão sobre a metodologia investigativa do conteúdo que se está aprendendo. Ensinar, portanto, é adquirir meios do pensar, através dos conteúdos. Em outras palavras, é desenvolver nos alunos o pensamento teórico, que é o processo através do qual se revela a essência e o desenvolvimento dos objetos de conhecimento e com isso a aquisição de métodos e estratégias cognoscitivas gerais de cada ciência, em função de analisar e resolver problema (Cf. Libâneo, 2008).
Nesses termos, o papel da didática é: a) ajudar os alunos a pensar teoricamente (a partir da formação de conceitos); b) ajudar o aluno a dominar o modo de pensar, atuar e investigar a ciência ensinada; c) levar em conta a atividade psicológica do aluno (motivos).
A elaboração do planejamento de ensino inicia-se com as seguintes tarefas:
• Análise do conteúdo da matéria (estrutura conceitual básica). Identificar a relação geral que se aplica a manifestações particulares desse conteúdo.
• Dedução: formação de conceitos e operação com conceitos. Partir do conceito “nuclear” do assunto estudado (isto é, o princípio geral) para aplicação a problemas particulares.
• Domínio dos procedimentos lógicos do pensamento que têm caráter generalizante
à Captar a essência, o princípio interno explicativo do objeto e suas relações internas.
à Adquirir os métodos e estratégias cognitivas dos modos de atividades anteriores (o percurso investigativo de apreensão teórica do objeto).
• Análise da atividade psicológica (motivos e objetivos do aluno).
Didática e formação da personalidade
Na didática desenvolvimental, o ensino se caracteriza como ampliação do desenvolvimento mental e, com isso, como formação da personalidade dos alunos. Para que a aprendizagem de conteúdos e de processos mentais efetivamente contribuam para o desenvolvimento da personalidade, é preciso que haja ligação entre os conteúdos e os motivos do aluno, o que implica a necessidade de adequar os conteúdos às disposições internas e interesses dos alunos atendidos e ao contexto sociocultural em que vivem. Isso significa que a qualidade e o nível das aprendizagens dependem do modo como se organiza o ensino, isto é, da forma e do conteúdo das atividades planejadas.
O que se ressalta nesta vinculação entre conteúdos e motivos não é apenas que o ensino deve estar adequado aos motivos dos alunos, mas que os conteúdos mobilizam motivos por meio do desenvolvimento de ações. Ou seja, ao se estudar um conteúdo, espera-se que os alunos ajam de modo a desenvolver capacidades e habilidades específicas, o que, por sua vez, depende ações determinadas por expectativas socialmente determinadas tanto pela escola quanto pelos professores. A teoria histórico-cultural da atividade realça, portanto, o papel dos motivos na atividade de aprendizagem e na atividade social e, ao mesmo tempo, o papel da escola e dos professores em formar nos alunos motivos éticos e sociais.
5. O caminho didático: sugestões para elaboração de planos de ensino
Ao assumir o ensino de uma matéria, os professores recebem do Curso ou Departamento uma ementa e, frequentemente, um programa com tópicos já definidos, dentro de uma certa lógica de estruturação. O procedimento da análise de conteúdo indicado na didática desenvolvimental pode levar a uma organização do conteúdo muito diferente da existente na instituição, ou seja, os temas podem ser os mesmos, mas a seqüência e a lógica de estruturação podem ser outras.
Os procedimentos a serem utilizados em relação à formulação de conteúdos, objetivos e metodologia podem ser os seguintes:
a) Identificar, o núcleo conceitual da matéria (essência, principio geral básico) e as relações gerais básicas que a definem e lhe dão unidade. Este núcleo conceitual contém a generalização esperada para que o aluno a interiorize, de modo a poder deduzir relações particulares da relação básica identificada.
b) Construir a rede de conceitos básicos que dão suporte a esse núcleo conceitual, com as devidas relações e articulações (mapa conceitual).
c) Estudo da gênese e dos processos investigativos do conteúdo, de modo a extrair ações mentais, habilidades cognitivas gerais a formar no estudo da matéria.
d) Formulação de tarefas de aprendizagem, com base em situações-problema, que possibilitem a formação de habilidades cognitivas gerais e específicas em relação à matéria.
e) Prever formas de avaliação para verificar se o aluno desenvolveu ou está desenvolvendo a capacidade de utilizar os conceitos como ferramentas mentais.
Conclusão
Este texto teve como objetivo mostrar possibilidades de melhorar o ensino superior por meio de um estilo de professor, o professor mediador, aquele que atua como mediador da relação cognitiva entre o aluno e a matéria visando ajudar o aluno a atribuir sentido aos objetos de conhecimento. Nesta concepção considera-se a ligação entre a didática e o conteúdo específico ministrado, ou seja, entre o conteúdo da matéria e o desenvolvimento das capacidades intelectuais correspondentes a esse conteúdo. Ao professor, para assegurar a aprendizagem dos alunos, não basta dominar os conhecimentos específicos e transmitir a matéria; ele precisa ter mais duas competências: saber ajudar o aluno a interiorizar os modos de pensar, investigar e atuar da matéria ensinada e saber como mobilizar os desejos, necessidades e interesses dos alunos (os motivos). Sendo assim, não pode existir uma didática separada dos conteúdos e métodos de investigação da ciência ensinada, bem como dos motivos dos alunos. Os cursos de formação de professores, além de conteúdos da didática e da psicologia do desenvolvimento e da aprendizagem, deveriam ajudar os futuros docentes a se familiarizar com as questões gerais do processo de conhecimento e as peculiaridades epistemológicas da ciência ensinada, de modo a terem clareza sobre o objeto de estudo da matéria e os seus métodos de investigação.




Bibliografia
D´ÁVILA, Cristina Teixeira. Decifra-me ou te devoro: o que pode o professor frente ao manual escolar? Tese de Doutorado. Universidade Federal da Bahia (UFBA), Brasil. 2002.
DAVIDOV, Vasili. La enseñanza escolar y el desarrollo psíquico. Moscu: Editorial Progreso, 1988.
HARGREAVES, Andy. O ensino como profissão paradoxal. Pátio, Porto Alegre, ano IV, n. 16, fev/abr 2001.
LIBÂNEO, José C. Didática. São Paulo: Cortez, 2007.
LIBÂNEO, José C. A didática e a aprendizagem do pensar e do aprender: a Teoria histórico-cultural da atividade e a contribuição de Vasili Davídov. In: Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 27, 2004.
LIBÂNEO, José C. Didática e didáticas específicas: para além do embate entre a didática e as didáticas específicas. In: VEIGA, Ilma P. A. e d´Ávila, Cristina M. (orgs.). Profissão docente: novos sentidos, novas perspectivas. Campinas (SP): Papirus, 2008.
MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. São Paulo: Cortez/Unesco, 2000.
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.








Anexo I - Procedimento didático geral

Há um procedimento metodológico geral que se organiza em três momentos (não-lineares), o da Reflexão, o da Análise, e o do Plano interior das ações. Cada um desses momentos é desdobrado em etapas, a saber:
1. REFLEXÃO
Tomada de consciência do objetivo da atividade, das razões da atividade de aprender, compreensão e reconhecimento condições necessárias para estudar o conteúdo. O que precisa ser feito, e as condições de fazê-lo.
1a. Etapa – Motivação e Orientação da atividade (os alunos recebem explicações sobre os objetivos da ação, atividades e pontos de referência).
2. ANÁLISE
Estudo do conteúdo, partindo de conceitos centrais, princípio geral, da regra geral para a solução de problemas. O papel da análise é ajudar o aluno a desenvolver a capacidade de fazer generalizações conceituais. Delineamento do problema, solução do problema a partir da aquisição de capacidades cognitivas.
2a. Etapa - Formação de conceitos por meio de operações práticas, concretas (exercícios, solução de problemas).
3a. Etapa - Formação de conceitos no plano da linguagem (através de conflitos cognitivos, desenvolver ações cognitivas individuais e grupais de enfrentamento do problema).
3. INTERNALIZAÇÃO DOS CONCEITOS
Capacidade de operar mentalmente com os conceitos, em que os conceitos se transformam em conteúdos e instrumentos do pensamento, ferramentas mentais. Capacidade de antecipar ações.
4a. Etapa - Capacidade de operar internamente com os conceitos. (Aprender a lidar praticamente com os conceitos internalizados. Enfrentamento prático com o objeto de estudo).

Anexo II - REQUISITOS PARA O PLANEJAMENTO DO ENSINO

1. Conhecimento profundo dos conceitos centrais e leis gerais da disciplina, bem como dos seus procedimentos investigativos (e como surgiram historicamente na atividade científica).
2. Iniciar o estudo do assunto pela investigação concreta (objetos, fenômenos, visitas, filmes), em que os alunos vão formulando relações entre conceitos, manifestações particulares das leis gerais, para chegar aos conceitos científicos.
 Avançar das leis gerais para a realidade circundante em toda a sua complexidade.
 Escolher exemplos concretos e atividades práticas que demonstrem os conceitos e leis gerais de modo mais transparente.
3. Criação de novos problemas: situações de aprendizagem mais complexas, com maior grau de incerteza que propiciam em maior medida a iniciativa e a criatividade do estudante.



Texto que estudei no Mestrado com minha Profª DRª Raquel A. Marra da Madeira Freitas:

TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL E PESQUISA: O EXPERIMENTO DIDÁTICO COMO PROCEDIMENTO INVESTIGATIVO ()

Raquel A. Marra da Madeira Freitas

1. Experimento e investigação materialista dialética

Do ponto de vista materialista dialético, a investigação científica deve, necessariamente, guiar-se pela compreensão de que os seres humanos são sujeitos em relações sociais e históricas. Nesta ótica, a consciência é entendida como produto social resultante da necessidade que movimenta a ação humana sobre o meio social e sobre a natureza, ação essa que se concretiza na relação com os outros homens e dentro de determinadas condições de produção. Portanto, “a análise sócio-histórica deve dar conta da coerência e da força criadora dos indivíduos e da relação entre consciências individuais e realidade objetiva” (Goldman, apud MINAYO, 1992, p. 69). A pesquisa orientada pelo método dialético deve constituir-se como uma prática investigativa que depende do conhecimento técnico, mas, sobretudo, depende de uma atitude intelectual e uma visão social da realidade (MINAYO, 1992, p. 75).
No que se refere à pesquisa do tipo experimento, dois termos são fundamentais, hipótese experimento, porque se encontram, entre outros na base da definição do que vem a ser este tipo de investigação.
O termo hipótese remetido à crença na possibilidade do conhecimento objetivo da realidade com base em dados e provas e por meio dos procedimentos matemáticos de formulação e análise das questões de pesquisa, tem conotação positivista. Sabe-se que as principais correntes opositoras ao positivismo, o marxismo e a fenomenologia, não deixando de incorporar o conceito de “hipótese” buscam reinterpretá-lo e o problematizá-lo para ressaltar o aspecto qualitativo. A abordagem qualitativa despreza a dinâmica formal comprobatória caracterizadora da hipótese na visão positivista. Ao contrário, busca fazer da hipótese o caminho e a baliza para o confronto com a realidade empírica. Nessa busca observa-se que é comum a adoção do termo “pressupostos” em vez de “hipóteses”, o que não significa mera substituição e sim o estabelecimento de parâmetros básicos que possibilitem a investigação empírica qualitativa sem as conotações da abordagem quantitativa. A cientificidade da pesquisa não é dada por seu aspecto quantitativo ou pelo seu aspecto qualitativo, e sim pela articulação com a teoria, pelo grau com que o investigador zela pela constituição, ampliação e articulação de seu quadro teórico na busca da compreensão de dada realidade empírica como resposta a perguntas relevantes sobre esta realidade (MINAYO, 1992, p. 95-96).
O mesmo ocorre em relação ao termo experimento, observando-se comumente algumas variações como “pesquisa experimental”, “investigação experimental”, “estudo experimental”. Esses termos remetem à crença positivista na possibilidade de geração de um conhecimento objetivo e seguro, cujo requisito principal é não estar de nenhum modo implicado pelo pesquisador. Consequentemente visa-se um conhecimento não implicado social e historicamente. Nessa conotação positivista, a formalidade do experimento caracteriza-se pelo controle rigoroso de todas as variáveis e das condições de sua realização, para que haja garantia de não interferência, resultando assim em um conhecimento objetivo.
De um ponto de vista baseado na visão materialista dialética entende-se que na educação, nas ciências humanas, na pedagogia, na investigação dos processos psicológicos, dos processos de ensino e dos processos de aprendizagem, não é possível um experimento, na acepção positivista do termo. Ao contrário, a investigação dos objetos próprios às ciências humanas tem em si uma necessária ausência de busca pela exatidão, nos moldes positivistas, dado que a natureza própria destes objetos obriga à rejeição de quaisquer intentos de regularidade e precisão de inspiração positivista.
A investigação (o experimento) de base positivista reclama o controle completo e rigoroso das variáveis externas sobre o objeto estudado, a neutralidade do pesquisador, o seu afastamento e a garantia da não interferência no objeto investigado, culminando numa análise que foca as relações de superfície (aparentes) do fenômeno investigado, ou seja, não considera as questões entendidas como “não objetivas”.
Devido à sua utilização maciça nesse tipo de pesquisa, não é surpreendente que o termo experimento e seus derivados tenham passado a ser tidos por muitos pesquisadores das ciências humanas como inerente à investigação de base positivista, denotando principalmente as pesquisas naturalísticas realizadas com elevado controle de variáveis e sem consideração dos contextos e das contraditórias forças sociais e culturais que envolvem o fenômeno tomado para investigação.
No caso das ciências humanas, a idéia de experimento baseada no método positivista lastreia investigações que conferem maior importância aos aspectos quantitativos do fenômeno, analisando aspectos como regularidade, busca das relações imediatas e das características potenciais para comprovações de hipóteses, hipóteses essas que devem ser necessariamente comprovadas por meios e instrumentos quantificadores. O surgimento e a existência do fenômeno são buscados a partir de elementos pontuais, particulares, isolados do contexto histórico-social que demarca seu devir. Portanto, suas dimensões qualitativas permanecem fora do foco da investigação e do investigador.
Esta conotação corrente, não exclui o fato de que o termo experimento também é tomado por pesquisadores que não adotam a orientação positivista e não concebem os objetos da realidade somente a partir de seus atributos quantificáveis. O termo experimento é encontrado, por exemplo, nas investigações empreendidas por autores da Teoria Histórico-cultural e da Teoria da Atividade, ambas baseadas no método dialético de investigação e compreensão da realidade. A começar pelo próprio Lev S. Vygotsky, psicólogo russo precursor desta abordagem teórico-metodológica, é bastante freqüente a utilização de termos como experimento, estudo experimental, investigação experimental.
Como se sabe, do ponto de vista do materialismo histórico dialético o processo de surgimento e existência de determinado fenômeno deve ser investigado tomando-se o seu devir histórico na realidade social concreta, ou seja, na atividade humana real.
Além da hipótese e do experimento propriamente dito, outro aspecto que merece atenção ainda que brevemente, é o tipo de método que confere o movimento da análise realizada pelo pesquisador: indutivo ou dedutivo. A esse respeito vale destacar o alerta feito por Minayo para que não se perca de vista o que escreveu Engels:
Indução e dedução vão necessariamente a par como síntese e análise. Em lugar de se destacara uma delas como principal é preciso saber utiliza-las onde couberem e isso só será possível quando se tenha em vista que elas vão a par e se completam reciprocamente” (Engels apud MINAYO, 1992, p. 75).

2. Experimento na Teoria Histórico-cultural.

2.1. Vygotsky e o estudo experimental
O grande investimento de Vygotsky foi a constituição de uma psicologia com base no materialismo dialético, capaz da tarefa de que investigar e compreender a constituição dos fenômenos psicológicos humanos na sua complexidade, na sua origem processual histórica enraizada nas relações sociais e resultante de processos de mediação pela atividade humana concreta. Essa era a base para a prospecção de uma psicologia marxista.
Segundo Vygotsky, o comportamento e a mente humanos devem ser considerados em termos de ações intencionais e culturalmente significativas, em vez de respostas biológicas, adaptativas. Os objetos da experiência humana – e, por conseguinte, objetos em experimentos psicológicos – são coisas socialmente e culturalmente significativas e não apenas estímulos abstratos. A atividade, então, ocupa o lugar do traço na fórmula E-R, transformando-o numa fórmula objeto  atividade  sujeito, em que tanto o objeto quanto o sujeito são historicamente e culturalmente específicos. (KOZULIN, 2002, p. 116)

Vygotsky tinha uma idéia muito clara de que elaborar os fundamentos teóricos metodológicos da psicologia marxista exigia a análise psicológica da atividade prática, atividade humana laboral, pois é aí que se encontram as leis fundamentais e as unidades iniciais da formação da vida psíquica humana. Por isso não se ocupou do estudo dos fenômenos psíquicos em si, mas da análise da atividade prática, já destacada pelos clássicos do marxismo como possuidora de uma condição instrumental e de um caráter mediador. (LEONTIEV, 2004).
Em sua obra Vygotsky utiliza frequentemente os termos experimento e/ou estudo experimental, para se referir às pesquisas que realizou. O livro “Pensamento e Linguagem”, por exemplo, possui um capítulo intitulado “Um estudo experimental da formação de conceitos”, em que Vygotsky afirma que só a análise experimental permite revelar a essência do processo genético da formação de conceitos. Para Vygtosky esse tipo de investigação é a “chave para a compreensão do processo” pelo qual a formação do conceito se desenvolve na vida humana real (Vigotski, 2003, p. 86).
Neste estudo experimental o psicólogo russo adotou o método da dupla estimulação, tomado de L. S. Sakharov. Por este método ele apresentava ao sujeito observado dois conjuntos de estímulos: um constituindo-se como o objeto da atividade do sujeito; o outro como signos que podem servir para organizar essa mesma atividade do sujeito (Ibid., p. 70) . A descrição da pesquisa, ainda que breve, permite perceber que se trata de uma investigação realizada em várias etapas, cujo processo de execução destas etapas, de obtenção dos dados, de apresentação dos objetos aos sujeitos , de registro e análise do movimento do pensamento do sujeito, ocorrem simultaneamente. Comparando seu experimento com os demais realizados à época e que ele denominou de tradicionais, Vygotsky comenta:
Em nossos experimentos, o problema é apresentado ao sujeito logo de início e permanece o mesmo até o final, mas as chaves para a sua solução são introduzidas passa a passo, cada vez que um bloco é virado. Decidimo-nos por essa seqüência porque acreditamos que, para se iniciar o processo, é necessário confrontar o sujeito com a tarefa. A introdução gradual dos meios para a solução permite-nos estudar o processo total da formação de conceitos em todas as suas fases dinâmicas. A formação dos conceitos é seguida por sua transferência para outros objetos: o sujeito é induzido a utilizar os novos termos ao falar sobre outros objetos que não os blocos experimentais, e a definir o seu significado de uma forma generalizada. (Ibid. p. 72).

Para Vygotsky, tratava-se de uma investigação realizada para revelar os fenômenos psicológicos da formação de conceitos, mas como um fenômeno processual, dinâmico, sobre o qual o pesquisador não age de modo neutro, pelo contrário sua interferência é assumida como parte da investigação. Mais adiante ele aponta a tarefa do pesquisador na investigação da formação de conceitos:
O pesquisador deve ter como objetivo a compreensão das relações intrínsecas entre as tarefas externas e a dinâmica do desenvolvimento, e deve considerar a formação de conceitos como uma função do crescimento social e cultural global do adolescente, que afeta não apenas o conteúdo, mas também o método de seu raciocínio (Vigotski, 2003, p. 73).

A investigação da formação de conceitos foi um experimento que levou em conta o modo como os fenômenos externos sociais e culturais influenciavam o movimento do pensamento dos adolescentes investigados. Assim, Vygotsky investigou a formação de conceitos em sua complexidade, buscando captar seu surgimento como um movimento do pensamento que percorre constantemente o caminho do particular para o geral e do geral para o particular, numa relação dialética. Portanto, o experimento empreendido por Vygotsky distingue-se da pesquisa experimental (à qual ele referia-se utilizando o termo tradicional) que tem como método geral de investigação a concepção positivista.
Ao tratar do problema do método na pesquisa psicológica, Vygotsky critica os experimentos que se baseiam na estrutura S-R, que estudam artificialmente o fenômeno, ou seja, promove o controle das variações nas respostas em conformidade com as mudanças nos estímulos provocados. Por meio desse tipo de experimento só é possível estudar respostas psicofisiológicas, ele só resulta em descrição de variações quantitativas no complexo S-R (Vigotski, 2003).
No método materialista dialético, defendeu Vygotsky, a compreensão de que o desenvolvimento psicológico do ser humano é parte do desenvolvimento histórico geral da espécie humana e, nesse caso, os experimentos com base na estrutura estímulo resposta não servem. Portanto, seria necessária uma nova metodologia de experimentação psicológica (Vigotski, 2003). O argumento básico de Vygotsky é que de que sob a visão materialista dialética, a experimentação é um procedimento que se realiza como processo de captar, compreender e explicar o movimento que dá origem às funções psicológicas humanas, ou seja, o movimento pelo qual o ser humano atua na realidade criando-a e, ao mesmo tempo, recriando-a. Essa é a condição originária das suas funções psicológicas.
O elemento-chave de nosso método (...) decorre diretamente do contraste estabelecido por Engels entre as abordagens naturalística e dialética para a compreensão da história humana. Segundo Engels o naturalismo na análise histórica manifesta-se pela suposição de que somente a natureza afeta os seres humanos e de que somente as condições naturais são determinantes do desenvolvimento histórico. A abordagem dialética, admitindo a influência da natureza sobre o homem, afirma que o homem, por sua vez, age sobre a natureza e cria, através das mudanças nela provocadas, novas condições naturais para sua existência. Essa posição representa o elemento-chave de nossa abordagem do estudo e interpretação das funções psicológicas superiores do homem e serve como base dos novos métodos de experimentação e análise que defendemos.” (Vigotski, 2003, p. 80)

Conjuntamente como o novo método seria necessária também uma nova abordagem analítica. Essa nova estrutura analítica tem como base três princípios:
1) Analisar processos e não objetos. A análise de processos distingue-se da análise de objetos porque requer a exposição dinâmica dos principais elementos constituintes da história dos processos. O corrente que fornece a base para este tipo de análise, afirma Vygotsky, é a psicologia do desenvolvimento e não a psicologia experimental, por isso ele descreve seu método de investigação de “desenvolvimento experimental”.
2) Explicação versus descrição. A mera descrição não revela as reais relações dinâmicas que originam um objeto, não passando de uma análise baseada nas suas características externas, suas manifestações externas e aparências comuns. A análise genética (ou genotípica) permite explicar o fenômeno com base na sua origem, na sua essência e não em sua aparência externa. Vygotsky exemplifica:
Uma baleia, do ponto de vista de sua aparência externa, situa-se mais próxima dos peixes do que dos mamíferos; mas, quanto à sua natureza biológica está mais próxima de uma vaca ou de um veado do que de uma barracuda ou de um tubarão. (Vigotski, 2003, p. 82).

Nesse ponto Vygotsky lembra a afirmação de Marx de que a ciência seria desnecessária se as manifestações externas dos objetos, se sua aparência, coincidisse com sua forma, ou sua essência. Por isso afirma Vygotsky, que o tipo de análise que propõe, embora não recuse as manifestações aparentes, considera o objeto nas relações com sua origem e é nisto que consiste a objetividade da investigação.
3) O problema do comportamento fossilizado. Processos fossilizados são aqueles que passaram por um longo estágio do desenvolvimento histórico e tornaram-se fossilizados, como o que se observa nos processos psicológicos automatizados ou mecanizados. Para investigar o processo do desenvolvimento o pesquisador necessita alterar o caráter automático, mecânico, fossilizado das formas superiores do comportamento humano, fazendo-as retornar à sua origem por meio do experimento. É isso que a análise dinâmica visa.
No método experimental de investigação proposto por Vygotsky, captar o desenvolvimento de um a perspectiva histórica significa que passado e presente do sujeito se fundem, sendo o presente visto à luz dessa história. O que é, e o que foi o indivíduo, são duas linhas que se cruzam. A revelação desse cruzamento, dessa dialética passado presente no surgimento das funções psicológicas, é nisso que consiste o estudo histórico da constituição psicológica. Portanto, afirmou Vygotsky, o estudo histórico não é um aspecto teórico auxiliar e sim a verdadeira base da investigação do desenvolvimento humano. A esse respeito escreveu:
Estudar alguma coisa historicamente significa estudá-la no processo de mudança: esse é o requisito básico do método. (Vigotski, 2003, p. 84)
Nesse caso, o método é, ao mesmo tempo, pré-requisito e produto, o instrumento e o resultado do estudo. (Vigotski, 2003, p. 85)

A investigação experimental segundo os princípios estabelecidos por Vygotsky não é um tipo de investigação que resulta na mera descrição, na enumeração de características externas, ou no estabelecimento, de modo mecânico, das relações entre causa e efeito como o faz o modelo estímulo-resposta (S-R). A investigação experimental com base nos princípios vygotskyanos exige uma atitude intelectual que não rompe a identidade entre procedimentos de investigação e processos psicológicos. Nesse caso, o experimento permite estudar o pensamento humano como um processo vivo, como dinâmica real e não como situação artificialmente criada e controlada.
O método adotado por Vygotsky opôs-se aos métodos clássicos então correntes na psicologia soviética baseados na simples associação estímulo-resposta e voltados para aspectos reativos sensoriais e para a produção de respostas diretas. A posição de Vygotsky em relação a estes métodos é que eles não atingiam os meios e métodos utilizados pelo sujeito na organização de seu pensamento/comportamento.
Todavia, Vygotsky não recusou a experimentação. O que ele recusou veementemente foi a experimentação de cunho positivista, comportamentalista, pelo procedimento S-R. Ele e seus colaboradores entendiam a experimentação como “(...) o único caminho pelo qual podemos pesquisar por dentro os padrões dos processos psicológicos superiores (...)” (Vygotsky, 1999, p. 43). Além da experimentação, um grande relevo era dado às observações, nos espaços clínicos, em escolas e outros espaços pedagógicos.
O rigor científico dos experimentos não seguiu o modelo positivista de ciência que buscava, por meio de experimentações imparciais, estabelecer leis universais da evolução humana. A Teoria histórico-cultural, contrariamente a este tipo de rigor, considera rigorosa a análise que dá conta de revelar evolução e revolução das funções psicológicas, como pares de um processo dialético, nas relações sociais e culturais que compõem a dinâmica da história dos sujeitos e de cada sujeito.

3. Experimento na pesquisa pedagógica fundamentada no materialismo dialético.

Um dos métodos de investigação mais utilizados pelos soviéticos na realização de experimentos – principalmente sobre desenvolvimento infantil – é o método do experimento formativo. Este procedimento consiste em estudar as mudanças no desenvolvimento do psiquismo por meio da ativa influência do pesquisador na experimentação, ou em outras palavras, pela formação dirigida dos processos psicológicos que serão investigados (Davidov; Shuare, 1987).
Vygotski (1995) nomeava este método de genético-causal ou genético-experimental por permitir o estudo dos processos psicológicos desde sua origem, suas múltiplas determinações e complexidade de desenvolvimento.
Com isto os pesquisadores (...) não estão interessados somente nos resultados dos processos individuais do comportamento, mas também nos modos que eles são formados. Deste modo, por exemplo, não estamos somente interessados em encontrar como os educandos memorizam sob diferentes condições de aprendizado. Nós estamos também interessados no modo em que ele memoriza, e no curso dessa memorização. Nós empregamos atenção especial para o aspecto qualitativo dos processos que estudamos. (Smirnov, 1961, p. 29).

Experimento didático
O experimento didático é utilizado na investigação pedagógica que busca explorar uma questão central: que relação há entre a didática e o desenvolvimento cognitivo dos alunos? Essa questão se delineia por dentro do materialismo dialético e ampara-se em referências teóricas como a teoria histórico-cultural, a teoria da atividade, a teoria do ensino desenvolvimental. É nesta perspectiva que vários estudos e pesquisas vêm sendo desenvolvidos, podendo-se a seguir observar alguns exemplos.
L. Zankov, tomando por base principalmente idéias de Lênin e as teses de Vygotsky, realizou uma investigação pedagógica experimental guiada por uma questão central assim apresentada: mediante que sistema didático se alcança o resultado ótimo no desenvolvimento dos escolares? O objetivo da pesquisa foi revelar a lógica objetiva pedagógica presente na correspondência entre ensino e desenvolvimento dos alunos. Zankov explicitou da seguinte forma a característica da investigação pedagógica experimental:
Um traço substancial da investigação pedagógica experimental do problema do ensino e do desenvolvimento é o fato de que a revelação da lógica objetiva do processo de ensino, não só está indissoluvelmente vinculada em sua reestruturação, mas também é condicionada por ela. Não há como entender esta vinculação como mera aplicação dos resultados da investigação na prática escolar: seu método exige necessariamente uma fundamentação experimental da mudança da prática existente. Na investigação pedagógica do problema do ensino e do desenvolvimento, a revelação da lógica objetiva do processo docente é, ao mesmo tempo, a busca das vias pelas quais poderão ser alcançados os resultados desejados no desenvolvimento dos estudantes. (Zankov, 1984, p. 16).

Acerca da lógica pedagógica objetiva, Zankov remete à idéia de Lênin de que há duas formas do processo objetivo: a natureza e a atividade humana dirigida a uma finalidade. Mais adiante o autor mostra de modo mais contundente a característica básica da investigação pedagógica experimental de base materialista dialética e seu caráter objetivo.
O descobrimento da relação objetiva e necessária entre a estrutura do ensino e o processo de desenvolvimento da mente dos estudantes significa em nossa investigação que a estrutura do ensino é a causa de certo processo do desenvolvimento geral dos escolares. (Ibid, p. 16).
No ensino experimental desempenho um papel ativo a correlação entre o todo e as partes. A primazia, aqui, a tem o todo. (Ibid. p. 19).
Tratamos de cumprir essa exigência da metodologia marxista-leninista e estruturar nossa investigação de modo que se obtenham dados fidedignos e multifacéticos. O método fundamental de nossa investigação é o experimento. (Ibid. p. 20 -21).
É próprio do experimento, em sua qualidade de método científico geral, a mudança sistemática das condições da observação do fenômeno e de suas relações com outros fenômenos, com o que se expressa a ação ativa sobre o objeto de estudo. A aplicação do experimento na investigação científica permite estudar as relações de determinadas facetas do processo e encontrar as causas que condicionam a necessidade de que apareça o fenômeno dado. Desse modo, o experimento permite evidenciar as leis da esfera da realidade do objeto de estudo.
A realidade pedagógica se distingue por um alto grau de complexidade, por isto, o experimento utilizado para seu estudo é também complexo, tanto por sua composição como por seu desenvolvimento no tempo e por sua organização. O experimento pedagógico passa por etapas de acordo com o problema que se estuda e que, com freqüência, demanda um período bastante considerável. (Ibid. p. 21).

Assim, Zankov tomou como ponto de partida para a estruturação do experimento a análise do estado da prática tradicional de ensino e, nela, as características próprias da metodologia tradicional. A idéia base do experimento foi a de que é possível um ensino com maior eficácia no desenvolvimento geral dos estudantes. O pressuposto básico orientador do experimento foi o de que o desenvolvimento psíquico geral da criança se dá como movimento ascendente de sua interação com o mundo. A investigação desse desenvolvimento requer, então, ser organizado de modo que se caracterize como intervenção substancial nos processos mentais dos alunos, como movimento dos níveis inferiores aos níveis superiores. Esta metodologia de investigação exige a ocorrência de um trabalho de abstração do pensamento e não somente operações lógico-verbais . Ou seja, é uma investigação em que os alunos se encontram em atividade prática no contexto de aula. Esta atividade caracteriza-se como uma atividade de ensino. Porém, um ensino que se correlaciona com o processo de desenvolvimento psicológico geral dos alunos e dele decorrendo resultados nesse desenvolvimento.
Assim a organização do experimento acha-se intimamente ligada ao método de investigação. No caso da pesquisa realizada por Zankov, foi tomado como campo de estudo empírico o nível primário de ensino.
A primeira etapa consistiu em criar a estrutura do novo sistema didático no processo de trabalho de uma, e uma única, sala de aula. Ao mesmo tempo foi estudada a vida coletiva da classe em seu conjunto e de cada escolar em sua singularidade, de modo espontâneo e natural, no ambiente da sala. Especificamente nesta pesquisa também foi utilizado um laboratório pedagógico que funcionava como um “clube infantil” com várias atividades como desenho, modelagem, leitura, e outros, além de uma biblioteca e de obras artísticas.
A segunda etapa foi o experimento propriamente dito. Para isso foram incluídas outras salas de aula (mais de vinte em cidades diferentes). Essa ampliação foi justificada pela necessidade de contemplar a diversidade de crianças e dos seus contextos e condições, permitindo realizar o experimento em condições que variassem.
Na terceira etapa foram elaborados os manuais experimentais e os respectivos livros de consulta para os professores, correspondentes ao novo sistema de ensino. Esta etapa incluiu também a realização de seminários, informes científicos voltados para os professores. Institutos colaboradores participavam por meio de seus pesquisadores, que realizavam assessorias aos professores e visitas às salas de aula, dirigiam o trabalho de verificação e realização da primeira análise do trabalho dos professores. O material obtido era enviado aos institutos. Assim foram envolvidas mais de 1200 salas em diferentes regiões da URSS. Este experimento foi guiado por alguns princípios (Zankov, 1984, p. 29-34), os quais foram aplicados na estruturação do conteúdo do ensino, na metodologia e no trabalho com as disciplinas:
- O ensino em um alto grau de dificuldade tal que pudesse revelar as potencialidades da criança, suscitando processos mentais peculiares na atividade de aprendizagem, a fim de proporcionar a esta criança espaço e direção de seus processos mentais; o alto grau de dificuldade consiste no conhecimento da interdependência dos fenômenos, da sua ligação interna;
- No ensino no nível primário, os conhecimentos teóricos tem um papel dirigente do desenvolvimento, todavia não se dispensa menor importância às destrezas e hábitos;
- O papel dirigente dos conhecimentos teóricos expressa-se no princípio de que os alunos devem compreender o processo de estudo
- A par de um ensino de alto nível de dificuldade está a exigência de um grande compasso no estudo do material do programa. Este princípio promove o enriquecimento continuo do intelecto do aluno com um conteúdo diversificado criando condições favoráveis para uma compreensão mais e mais aprofundada dos dados obtidos no experimento;

Desse modo, pode-se dizer que no experimento didático não há uma separação entre sujeito que investiga, sujeito investigado e objeto da investigação. A investigação resulta em um conhecimento que busca explicar o objeto estudado (funções psicológicas), buscando também resultar em mudança qualitativa no sujeito investigado. No experimento didático, o que se busca é a explicação histórica das mudanças qualitativas no pensamento do sujeito, mudanças estas que são investigadas como uma cadeia complexa de processos inseparáveis de aprendizado, decorrentes da realização de uma tarefa proposta no experimento e contida no modo como este se encontra organizado. A tarefa proposta e os passos da tarefa estão ancorados em um determinado conceito científico a ser aprendido. A organização desses passos está ancorada em princípios teóricos da teoria histórico-cultural e da teoria do ensino desenvolvimental. Esses passos, ao serem cumpridos pelos sujeitos participantes exigem determinado movimento do pensamento, movimento este que pode resultar em mudanças na sua qualidade em relação ao conteúdo da tarefa, ou seja, o conceito científico. Em outras palavras: no decorrer do experimento acontece aquisição de atos mentais, atos esses que contribuem para reorganizar o pensamento, as operações mentais realizadas pelo sujeito. Este acontecimento caracteriza-se como uma reorganização interna provocada por signos externos. O próprio experimento funciona como mediação, como um signo externo. Vygotsky, relatando suas pesquisas, escreveu:
Pode-se chamar isso de estágio do uso de signos externos. Ele se caracteriza pela formação independente de relações novas nas operações internas da criança usando signos apresentados externamente. Agora a crianças organiza os estímulos externos para levar avante as suas respostas. (Vigotski, 2003, p. 95).
Nossa abordagem do estudo das funções cognitivas não requer que o experimentador forneça aos sujeitos os meios já prontos, externos ou artificiais, para que eles possam completar com sucesso uma tarefa dada. O experimento é igualmente válido se, ao invés de o experimentador fornecer às crianças meios artificiais, esperar até que elas, espontaneamente, apliquem algum método auxiliar ou símbolo novo que elas passam então, a incorporar em suas operações. (Vigotski, 2003, p. 97).

REFERÊNCIAS
LEONTIEV, A. N. 2004. Artigo de introdução sobre o trabalho criativo de L. S. Vigotski. In. VYGOTSKY, L. S. Teoria e Método em Psicologia. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 425-470.
VIGOTSKI, Lev Smenovich. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
VYGOTSKY, L. S. Teoria e Método em Psicologia. São Paulo: Martins Fontes, 2004. p. 425-470.
ZANKOV, L. La enseñanza y el desarrollo – Investigación pedagógica experimental. Moscu: Editorial Progreso, 1984.














































VYGOTSKY

Lev Semenovich Vygotsky (1896-1934) , nasceu em Orsha, pequena cidade da Bielorrusia, em 17 de novembro de 1896.

Morreu em 1934 de tuberculose, aos 37 anos.

Membro de uma família judia de boa situação econômica, a educação recebida por ele e seus irmãos foi de alta qualidade.

A maior parte da sua educação formal foi através de tutores particulares.

Aos 15 anos ingressou num colégio particular, para frequentar os últimos anos do ensino de segundo grau.

Formou-se em 1913 e ingressou na Universidade de Moscou, para o curso de Direito, no qual se formou em 1917.

Paralelamente à graduação, frequentou cursos de história e filosofia na Universidade Popular de Shanyavskii, aprofundando os estudos de psicologia, filosofia e literatura. Anos depois, ingressaria no curso de medicina, devido ao seu interesse em estudar o funcionamento psicológico do homem.

Foi professor e pesquisador nas áreas de psicologia, pedagogia, filosofia, literatura, deficiência física e mental, atuando em diversas instituições de ensino e pesquisa.

Sua produção científica, foi vasta, na sua curta existência. Seu interesse por áreas diversas e sua formação interdisciplinar, permitiram que a sua produção (perto de 200 trabalhos científicos) abrangesse desde neuropsicologia até literatura, incluíndo trabalhos sobre deficiência, psicologia, educação e linguagem.

Embora esta vasta produção, não existe na sua obra um conjunto organizado e sistemático de idéias que possa ser denominada de "Teoria Vygotskiana". Este fato não impidiu que mesmo após a sua morte, suas idéias continuassem sendo abordadas e testadas pelos grupos que continuariam seu trabalho.

Vygotsky e amigos jornalistas - 1920 Vygotsky e amigos

Foi só a partir de 1924 que sua carreira mudou drasticamente, passando Vygotsky a dedicar-se a psicologia evolutiva, educação e psicopatologia.

A partir daí ele concentrou-se nessas área e produziu obras em ritmo intensoaté sua morte prematura em 1934, devido a tuberculose.

Devido a vários fatores, inclusive a tensão política entre os Estados Unidos e a União Soviética após a última guerra, o trabalho de Vygotsky permaneceu desconhecido a grande parte do mundo ocidental durante décadas.

Quando a Guerra Fria acabou, este incrívelpatrimônio de conhecimento deixado por Vygotsky começou a serrevelado. O nome de Vygotsky hoje dificilmente deixa de aparecer emqualquer discussão séria sobre processos de aprendizado.

Foi amigo e companheiro de Luria e Leontiev

Alexander Romanovich Luria nasceu em Kazan, na antiga Rússia, em 1902 e faleceu em 1977. Em 1924 conhece Vygotsky que exerceu enorme influência em sua carreira. Associou-se também a Leontiev. Luria interessou-se pelo estudo da influência da cultura nos processos mentais, pesquisando sobre o pensamento, o sentimento e as ações dos homens. Trabalhava também com os aspectos neuropsicológicos do funcionamento mental humano, sendo considerado um dos fundadores da neuropsicologia.

Propôs uma divisão do córtex baseada no grau de relacionamento com a motricidade e com a sensibilidade, dividindo o cortex am áreas primárias, secundárias e terciárias.

Alexei Nikolaevich Leontiev (1903-1979) trabalhou com Vygotsky e Luria de 1924 a 1930, mas, mesmo depois de se afastar por motivos profissionais continuou colaborando na mesma linha de estudos. Estudou a memória e a atenção deliberadas, desenvolvendo sua própria teoria da atividade que liga o contexto social com o desenvolvimento.

A atividade é um sistema coletivo derivado de um objeto e de um motivo. Caracteriza-se sempre por sua orientação para o objeto e preenche um propósito específico.

A força de direção da atividade é seu motivo. O motivo é que direciona a atividade: "não pode haver atividade sem motivo".

A ação é um meio de realizar a atividade e de satisfazer o motivo. A parte operacional de uma ação refere-se às circunstâncias específicas que estão em volta de sua execução. As operações constituem o meio pelo qual uma ação é realizada.

É importante ressaltar, que Vygotsky, Luria e Leontiev (seus colaboradores mais próximos) faziam parte de um grupo de jovens intelectuais da Rússia pós-revolução, que queriam buscar uma ligação entre o novo regime de sociedade e a produção científica.

Nesse ambiente de idealismo procuravam construir uma nova psicologia que sintetizasse as duas correntes de psicologias presentes no início de século (psicologia como ciência natural e psicologia como ciência mental)

Esta nova abordagem da psicologa está estruturada em três idéias centrais do pensamento de Vygotsky:

* 1. as funções psicológicas superiores têm um suporte biológico
* 2. o funcionamento psicológico está baseado nas relações sociais entre o indivíduo e o meio num processo histórico
* 3. a relação homem-meio é uma relação mediada por sistemas simbólicos

Partidário da revolução russa sempre acreditou em uma sociedade mais justa sem conflito social e exploração. Construiu sua teoria tendo por base o desenvolvimento do indivíduo como resultado de um processo sócio-histórico, enfatizando o papel da linguagem e da aprendizagem nesse desenvolvimento, sendo essa teoria considerada histórico-social.

Vygotsky considera o papel da instrução um fator positivo, no qual a criança aprende conceitos socialmente adquiridos de experiências passadas e passarão a trabalhar com essas situações de forma consciente.Se uma transformação social pode alterar o funcionamento cognitivo e pode reduzir o preconceito e conflitos sociais, então esses processos psicológicos são de natureza social. Devem ser analisados e trabalhados através de fatores sociais.

“Lev Semenovich Vygotsky”

Vygotsky, na verdade seu nome completo era Lev Semenovich Vygotsky nasceu aos 17 de novembro de 1896, em Orsha (Belarus), filho de uma pródiga família judaica. Ingressou em 1911 na escola, após seus estudos com tutores e em 1913, iniciou os estudos na Universidade de Moscou, formando-se em direito em 1918.
1924 - Vygotsky é convidado por Kornilov para trabalhar no Instituto de Psicologia de Moscou, onde conheceu seus discípulos e colaboradores Alexander Luria e Alexei Leontiev.
Vygotsky também estudou história, filosofia, literatura, psicologia e medicina.
1925 – Escreve Psicologia da Arte, publicada somente em 1965. Nesta mesma década sete de seus artigos são publicados no mundo ocidental.
1934 – Ocorre a publicação de Pensamento e Linguagem e no mesmo ano vem a falecer, aos 37 anos, vítima de tuberculose. A proposta de Vygotsky e seus colaboradores buscou integrar na mesma perspectiva, o ser humano – corpo e mente, como ser biológico e cultural, membro de uma espécie animal e participante ativo de um processo histórico.

Vygotsky viveu um momento histórico marcado pela orientação predominante da União soviética pós-revolucionária e via, no materialismo histórico e dialético de Marx e Engels, uma fonte teórica essencial para suas próprias elaborações (Kohl, Marta). Segundo Kohl, as concepções de Vygotsky sobre o funcionamento do cérebro humano, fundamentam-se na idéia de que as funções psicológicas superiores se constroem de acordo com a história social vivenciada pelo homem. Por esta razão, as funções não podem ser fixas, mas um sistema aberto que possibilite criar novas funções.

As funções mentais são organizadas pela ação de diferentes elementos atuando de modo articulado, onde cada um desempenha um papel neste complexo sistema funcional. Assim, o cérebro pode buscar diversos caminhos para resolver as situações. O funcionamento psicológico está ligado à relação do indivíduo com o meio sócio-cultural onde vive. Nesta concepção, a organização cerebral baseia-se em sistemas funcionais, transformando-se ao longo do desenvolvimento de cada indivíduo, onde as funções superiores tornam-se mais importantes. Evidencia-se a forte entre os processos psicológicos humanos e a inserção do indivíduo no contexto sócio-histórico.

Conceitos fundamentais em Vygotsky
Processos psicológicos superiores - típico da espécie humana O ser social e histórico - o salto do biológico para o cultural Mediação simbólica / cultura Pensamento / linguagem Desenvolvimento / aprendizagem Funcionamento cerebral como suporte biológico do funcionamento psicológico – a neuropsicologia de Luria e teoria das atividades de Leontiev (Coletânea Linguagem, Desenvolvimento e Aprendizagem.

As atividades psicológicas são consideradas superiores, quando se diferenciam de mecanismos mais elementares, como ações reflexas, automatizadas ou de associação simples entre eventos. Mediação Simbólica. A relação entre sujeito e resposta é intermediada por um novo elemento. Este elemento é o mediador da ação. A Mediação é um processo essencial para possibilitar as atividades psicológicas voluntárias, intencionais, controladas pelo próprio indivíduo. Segundo Vygotsky, a relação do homem com o mundo não é uma relação direta, mas mediada por ferramentas auxiliares. Há dois tipos de mediação:
Instrumentos e Signos.
Instrumentos: Um objeto social que pode mediar a relação entre o indivíduo e o mundo. -O homem produz seus instrumentos com objetivos específicos. -Reutilizam em outros momentos. -Transmitem sua função a outros membros do grupo, no processo histórico-cultural.
Signos: São instrumentos da atividade psicológica que auxiliam o homem em tarefas que exigem memória ou atenção. Signos X Instrumentos Agem como ferramentas que auxiliam nos processos psicológicos e não nas ações concretas como os instrumentos. Os uso dos signos, como marcas externas, se transforma em processos internos de mediação, num mecanismo chamado de processo de internalização.

Os signos são organizados em estruturas complexas e articuladas e o homem passa a usar signos internos, que são representações mentais que substituem objetos concretos. Fases: Pré-Lingüística (pensamento): Inteligência prática = utilizar um objeto como instrumento para alcançar um fim. Independe da linguagem, Vygotsky considera esta fase, como pré verbal no desenvolvimento do pensamento. Pré-Intelectual (Linguagem): Expressão Emocional – não há uma comunicação precisa. Pensamento e linguagem favorecem a comunicação, pois o uso de instrumentos, possibilita o planejamento e a ação coletiva no grupo cultural o que permitirá a transformação do processo sócio histórico. Os significados propiciam a mediação simbólica entre o indivíduo e o mundo. Aos poucos, ocorre o ajustamento dos significados com os conceitos que predominam no grupo cultural e lingüístico. O significado unifica as duas funções básicas da linguagem: intercambio social e pensamento generalizante. Os conceitos são construções culturais , internalizadas pelos indivíduos ao longo do seu processo de desenvolvimento. Níveis de Desenvolvimento: Nível de desenvolvimento real: é a capacidade de realizar tarefas de forma independente. Nível de desenvolvimento potencial: é a capacidade de desempenhar tarefas com a ajuda de outras pessoas. Nível de desenvolvimento proximal é a capacidade de fazer algo em que hoje precisa de ajuda, mas amanhã conseguirá fazer sozinho. A aquisição da escrita. O percurso proposto sofrerá variações conforme a experiência concreta e a cultura onde a criança está inserida. A Percepção. Abordagem centrada no desenvolvimento humano, a percepção torna-se cada vez mais um processo complexo, distanciando-se das determinações fisiológicas dos órgãos sensoriais embora, continue a basear-se nas possibilidades desses órgãos físicos. Deste modo a formação de conceitos concretiza as concepções de Vygotsky sobre o processo de desenvolvimento.

Bibliografia

OLIVEIRA, M.K. Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento, um processo sócio-histórico. São Paulo: Scipione, 1995. ________ e outros. Piaget, Vygotsky e Wallon. São Paulo: Summus Ed. 1992. MOISÉS, L. Aplicações de Vygotsky à educação da matemática. São Paulo: Papirus,2000. VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984 _________Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1989. _________Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo:Ícone/Edusp, 1988.

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